segunda-feira, 23 de abril de 2012

UM ESTRANHO NA ESCADARIA



Da janela com portal do meu quarto posso ver o templo em frente.
A grande escadaria com mais de 100 degraus rebrilha ao sol.
São 11:15h da manhã pós Páscoa.
Não tive ovos de chocolate, nem almoço com bacalhau, nem abraços.
Mesmo assim, fiquei sereno ao lado dos cães, e de Flores, meu primeiro tigre.

Ainda estou tranquilo, porque sei que ele, o estranho, não está lá.
Costuma chegar as três da tarde e as três da madrugada.
E me dá medo!
Até seu casacão azul me dá medo.

Então, tranquilo, posso esperar por Amarante, que há tanto tempo não retorna.
Foi nesse horário, numa manhã de sol, que partiu da última vez.
Foi quando juntos, cantamos e dançamos frenéticos mambos.

Os cães dormem tranquilos.
Yula e Audrey que já contam 119 anos estão calmas.
Já medicadas com Gardenol e Dorimax.
Quando o estranho está para chegar elas acordam com caras estranhas.
Fazem volteios e se atiram sobre as coisas.
E me mordem forte quando vou socorre-las. Então me vem uma grande raiva, um ódio assassino.
Logo penso: Tem uma coisa ruim lá fora.
Ele está lá. Na escadaria.
E procuro a calma, para não jogar esse jogo.
Só vendo:
Na sexta da paixão ele deu uma de satã.
Ao invéz do capote longo e azul, surgiu de casaco amarelo.
Foi precedido de forte ventania, pois precisa de grande efeito cênico.
Dessa vez, quase arrancou uma de minhas árvores queridas.

É quando os cães ficam agitados, ladram histéricos, pulam alto e as vezes se atracam.
Flores, o primeiro tigre, aparece com rugidos fortes (e sei que é em minha defesa).
Não sei para onde foram os outros tigres do jardim.
Flores porém, garantiu com suave ronronar que nunca me deixará.
Esperamos Amarante juntos.

Ontem a noite, após chorar muito de saudades, pareceu-me ver Honorina passar entre o quarto e a sala.
Nas mãos levava uma bandeja, onde o que pareceram-me ratos, guinchavam.
Não gostei.
Honorina traz sempre maus presságios.
Com seus peitos enormes balançando e seu cachimbo de louca ela tantalisa.
É uma Banshee.
Eu sei.
Mas sempre que ela surge, Amarante, também retorna, então...

São 11:15 da manhã e observo sentado na escada que desce de minha janela, o templo em frente.
Um certo receio.
Notei que o estranho cada vez aparece degrau mais abaixo na escadaria.
Está cada vez mais próximo e quase já posso distinguir suas feições.

O brilho fervente de seus olhos metálicos.
Medo!
- Amarante, venha. 
-Amarante, preciso de voce!!

DIA TAL - 3 DA MADRUGADA (PRESENTE, PASADO, FUTURO)

Senti haver qualquer coisa ruim lá fora.
Os cães pulam agitados pela casa.
Yula e Audrey, as velhinhas com lesão no cérebro, estão me olhando com caras humanas.
Aquelas expressões que me assutam.
Fazem volteios alucinadas, derrubam coisas.
As duas cegas da cozinha, Cristal e a filha Boneca, geralmente quietas ou dormindo, estão chorando baixinho, aflitas.
Então começou a ventania forte que parece arrombar janelas.

Como uma grande anaconda, o medo serpenteia no quintal.
Enorme, negro, luzidio!


Flores está hurrando furioso.
Diadorim, filha de minha Peggy se enrosca em minhas pernas amedrontada.
Sua mãe teve horrível fim num desses ataques dessa "coisa".

A grande serpente está tentando invadir a casa como fazem os zumbis que infestam as ruas.

Penso em Jesus, penso em Maria sua mãe minha madrinha, penso em Amarante.
Quero gritar por eles, mas estou mudo de pavor!

Trêmulo, tenho nos braços Diadorim, a filhotinha negra.
Ela treme. Como tremem os desamparados.
Mas ela conta comigo.
Eu conto com Amarante que não chega...

Tem alguem gritando, gritando.
E eu sei. Sou eu gritando!

Olho para o relógio. São três horas patrão!
A presença alienígena é muito forte.
Olho pela vidraça.
Tem um estranho na escadaria.
Não do templo, mas dos primeiros degruas que levam à janela do meu quarto....

EU SEI...
SOU EU!!
SOU EU GRITANDO...

GRITANDO, GRITANDO!!

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